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Baby Reindeer – Crítica da minissérie


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Já alguma vez pensaste como um gesto tão simples como oferecer uma chávena de chá pode transformar por completo a tua vida? E se te dissesse que ter um stalker pode ser mais perturbador do que possas imaginar? 41071 e-mails, 350 horas de voicemails, 744 tweets, 46 mensagens no Facebook, 4 contas falsas de Facebook, 106 páginas de cartas e 1 chávena de chá. Numa história verídica onde o protagonista é a própria vítima, a minissérie da Netflix, Baby Reindeer, prova como a realidade pode superar a ficção.

Donny Dunn (Richard Gadd) é um “comediante” que vive uma vida dupla. Durante o dia, trabalha num pub, mas nas horas vagas, longe dos olhares dos seus colegas, tenta concretizar o seu sonho de se tornar um comediante. O primeiro episódio começa com Donny a tentar explicar a sua situação numa esquadra da polícia, onde é confrontado com o porquê de ter demorado seis meses para reportar Martha Scott (Jessica Gunning) como sua stalker.

A resposta a esta questão vai se construindo ao longo da série, revelando-se complexa e imprevisível. No centro da ação está o protagonista, que enfrentou experiências traumáticas no passado que o marcaram para a vida. Baby Reindeer mergulha nas complexidades da resposta ao trauma, mostrando como as vítimas muitas vezes enfrentam dilemas emocionais e psicológicos complexos na sua busca por cura e justiça.

Temas como abuso, manipulação e orientação sexual são explorados em profundidade, enquanto as personagens são retratadas de forma multifacetada. Por um lado, o protagonista desperta sentimentos contraditórios: compaixão misturada com perplexidade diante da sua inação em várias situações. Por outro lado, temos o antagonista, cujo sentimento de pena é inerente. Não se trata do monstro que a Disney nos habituou a ver desde a infância, mas sim de uma mulher de meia-idade com problemas psicológicos e sem qualquer tipo de apoio. A série vai além de uma simples narrativa de perseguição, levanta questões profundas sobre o sistema judicial e a sua falha em proteger tanto as vítimas quanto os perpetradores, especialmente quando estes últimos sofrem de distúrbios mentais. Não existe uma divisão clara entre certo e errado, a complexidade das relações humanas é explorada de forma a desafiar as expectativas do público.

Richard Gadd presenteia-nos com algo que poucos teriam coragem de enfrentar – até mesmo o pior pesadelo de alguns – ao expor todas as suas experiências mais traumáticas, vergonhas e inseguranças para que qualquer pessoa possa testemunhar, basta ser subscritor da Netflix.

Melhor Episódio:

Episódio 4 – Neste episódio, somos levados ao momento mais traumático do passado de Donny, onde finalmente compreendemos as razões por trás das suas ações presentes. É um episódio perturbador em que podemos entender como a manipulação e uma simples palavra de encorajamento podem levar alguém a cometer atos inesperados. É também uma oportunidade para testemunharmos a resiliência de uma vítima de trauma, como ela se recompõe e tenta seguir em frente após uma experiência tão dolorosa. Donny responde, não como o público mais esperava, mas talvez não tão distante da realidade de muitos que passaram pelo mesmo.

Personagem de destaque:

Donny – Com a história centrada nele, é difícil escolher outra personagem, pois Donny revela inúmeras camadas, tornando-se um enigma cativante. Ele foge ao típico padrão com o qual o público geralmente se identifica. No entanto, a sua verdade crua, o seu comportamento errático e até mesmo a sua inércia são aspetos com os quais todos nós nos podemos relacionar em algum momento. A fragilidade de Donny e o seu desejo de agradar a todos, inclusive à sua stalker, é o que o torna tão humano, tão real. Mas, acima de tudo, e podendo parecer incoerente, é a sua coragem que mais me impressiona. Apesar dos inúmeros fracassos nos palcos da comédia, Donny persiste. Todos nós temos sonhos que, às vezes, apenas fantasiamos, mas nem todos temos a coragem de nos expormos, muito menos aceitar a rejeição como Donny fez tantas vezes.

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